terça-feira, 22 de dezembro de 2009

R18 A flor e a pedra

Um sentimento final...
Várias vezes vi esse anjo de pedra na entrada de um cemitério onde fui levar flores para o túmulo da minha família. Hoje relembrei de sua imagem e terminei de repassar uma emoção que tem me deixado de olhos úmidos ao longo desses dias. Desde o dia da morte da minha mãe, sentimentos que eu desconhecia e acontecimentos que eu nem imaginava me vieram pelos caminhos da vida como uma chuva suave vem durante a noite. Mas a dor e a emoção foram intensas. Há pouco menos de um mês ela morreu.

Depois de muito tempo cuidando dela, naquele dia percebi pelo seu olhar que sua morte se aproximava. Ao cuidar dela mais uma vez, notei que o alento de vida que ela tinha até então se apagava em seu olhar. Aquilo era o fim de uma agonia de meses seguidos, onde a dor e o sofrimento tomaram vida em seu corpo. Chamei o médico, mas senti que tudo iria terminar.


Como fotógrafo, tendo já fotografado pessoas em situação de dor, percebi que a dor agora chegava na minha casa. Decidi registrar essa memória em imagens. Aliás a dor não chegava, ela se preparava para partir. Afinal havia meses que a dor estava aqui. Ao pegar minha máquina notei que o único filme que havia me restado era em preto e branco, que sempre uso para fazer uma textura especial de imagem ao fotografar campos e paisagens.E ao mesmo tempo, cenas que expressem um drama da vida.

E aí fiz as fotos que mostrarão sempre cenas com um significado especial para mim. Chamo isso de fotos memoriais. Como as que fiz. Minha mãe em seu descanso final, com o rosto enfim em paz, flores em sua casa e túmulo, uma árvore e uma ferrovia que fizeram parte dessa nossa caminhada. E o anjo do cemitério, como um guardião.

No dia do enterro, deixei junto dela a pequena bonequinha que ela guardava em sua gaveta do armário. Na volta peguei minha máquina e ao caminhar até sua casa fotografei uma velha ferrovia. Há muito tempo atrás minha mãe passou comigo por ela, numa viagem, que para mim, então criança, era só diversão. Me levava até a cidade onde ela havia nascido para conhecer alguns parentes.
Em sua casa, o vaso que ela sempre regava e que havia ficado seco tinha agora uma folhagem renovada e com flores depois das primeiras chuvas de verão. Registrei a imagem e decidi levar as flores para o túmulo. Ao passar na ferrovia, peguei duas pedras. Uma para o túmulo dos avós e uma para o túmulo dela. Em algumas religiões é um costume pelo significado das pedras.

No túmulo deixei a flor e a pedra. Por esses tempos tenho meditado muito sobre sua morte. Reflexão e muita emoção, demais até, mas é inevitável. Sei que nunca mais vou ser o mesmo depois de tudo o que ela sofreu e que eu vi.
Ontem a mulher que amo, com uma suavidade e uma ternura sem conta na voz me disse para não pensar mais nisso, para tentar esquecer. Ela tem toda razão. Sempre que um ente querido morre vamos nos pegar pensando que podíamos ter dito algumas palavras a mais, ter feito alguma coisa a mais. A morte traz esse sentimento. Simplesmente, por mais que tenhamos feito pela pessoa, vamos achar que faltou algum gesto, alguma palavra. Percebi que simplesmente tinha feito tudo o que podia.

Hoje passando na ferrovia e olhando a foto que fiz, pude ver como tinha conseguido um dos melhores efeitos de imagem que já pude fazer. E ao mesmo tempo meditei sobre o sentimento que as flores e a pedra trazem. Levar para o ente querido algo bonito e frágil como uma flor representa a beleza e ao mesmo tempo a fragilidade da vida. A pedra representa a perenidade do sentimento e da lembrança. Mas também nos lembra que sobre certos sentimentos colocamos uma pedra e voltamos à vida. Apesar de tudo ainda estamos vivos. Os sentimentos de dor e reviver se misturam. A flor nos relembra a beleza de ver mais um sol nascente. A pedra nos relembra de
reconstruírmos a vida. No meio dessa reflexão, renascemos para a vida.

Pensei que se existir uma outra vida como dizem, pelo meu desejo as coisas serão diferentes. Um dos filmes que minha mãe gostava de ouvir a música inicial era "O sol é para todos" indicado por um amigo. Ironicamente filmado em preto e branco. Nele havia uma menininha chamada Scout, feliz e alegre, brincando numa cidadezinha. Se existir essa vida, desejo que ela tenha renascido assim, feliz como essa menininha.
Um sentimento com a beleza das flores e a perenidade das pedras.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

R17 Um alvorecer e uma floresta

Alvorecer... Após um período difícil que passei na vida, vejo agora um alvorecer. Pelno de possibilidades e ao mesmo tempo de incertezas.

Ao ver esse dia que começa a brilhar, me peguei pensando se vou caminhar sozinho ou com mais alguém.

Sei que essa alvorada, por mais problemas que traga, já ilumina uma floresta onde caminhamos juntos muitas vezes.

Espero com todas as forças do coração, poder refazer esses caminhos como fiz uma vez, acompanhado por uma presença de luz.