terça-feira, 28 de julho de 2009

D09 Um pedido de desculpas

Coisas da vida...
Assim são certas coisas da vida. Negras como um mar negro, onde estamos perdidos em suas águas sem ter a mínima idéia de para onde ir. Horizonte? Nenhum. Somente a escuridão e o bater de braços, num nado que não se sabe onde vai dar. Ao menos tentar.
Peço desculpas aos poucos, porém bons amigos que aparecem aqui para ler alguns pensamentos.Por esses tempos, com grave doença da minha mãe e cuidando eu dela em minha casa, só em raros momentos como esse posso escrever.

Doença, problemas que aparecem dia a dia e em outra situação da vida me surge a perspectiva da solidão, uma velha conhecida que andava ausente. Mas a vida é feita de coisas assim. Nem todas são boas e as que um dia foram, foram mesmo, ao menos fica a lembrança.
Mesmo assim a vida nos coloca trilhos à frente. Podemos estar a pé. Vemos os trilhos enferrujados, então deduzimos que trens não passam alí há muito tempo. O que fazer?

Caminhar.

Um escritor uma vez esteve perdido num deserto. Sobreviveu porque caminhou, mesmo sem ter certeza de onde iria parar.

Ao menos eu tenho os trilhos. Já é é um rumo.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

R13 Uma velha ferrovia

Trilhos, pensamentos e personagens...

Hoje voltei cansado da visita. Entre minha casa e o hospital existe uma velha ferrovia. É também um lugar onde muitas vezes deixo minha mente vagar, pensando em todas as coisas possíveis. Quando me sento perto dos entroncamentos, olho para o reflexo do sol poente que deixa os trilhos como uma marca de luz no chão. Vale a pena ter refllexões nesses momentos. Hoje é um dia frio e foi mais um dia de visita. Minha mãe está internada no hospital, seguindo o mesmo caminho do sol poente. Um dia sua luz desparece no horizonte da vida. Dói, mas a vida é assim. Olho bem os trilhos e me lembro do pequeno sítio onde minha mãe passou sua infância. Estes trilhos aqui na minha cidade, pouco mais de uma centena de quilômetros à frente passam exatamente lá. Sei porque já visitei o velho sítio. Por coincidência, era um dia frio como hoje. Olho para a paisagem, para a bruma fria que passa pelos trilhos e penso quando poderei fazer outra visita àquele lugar. Lembrar das histórias dela, da vida de trabalho no sítio, do amanhecer com as tarefas do dia e depois pegando os cadernos e indo até a escola para as primeiras aulas do curso primário. O aprendizado da vida foi bem mais duro para ela quando perdeu a mãe, afinal a medicina era um privilégio de poucos naqueles tempos. Hoje um hospital simples, mas acolhedor e muito bem limpo assiste sua velhice, mas quando chego lhe trazendo a florzinha do campo que pego todas as manhãs, parece que posso ver aqueles olhinhos de menininha brilharem novamente. Na verdade, ela nesses momentos vira um menininha, como uma de joelhinho machucado, que vem pedir socorro para mim. Faço o possível até conseguir um sorriso e ver um rosto de onde transparece uma sensação de conforto. Sorrio, procuro ocultar minha tristeza e faço o melhor para que ela se acalme. Na saída olho meu rosto no espelho e me pergunto se terei conseguido colocar bem a máscara de um rosto alegre, para lhe passar segurança. Fernando Pessoa dizia que colocamos uma máscara no rosto para ocultarmos o que realmente sentimos e um dia não distinguimos mais a máscara do nosso rosto. E o meu, alí sozinho, é só tristeza. Mas tenho que continuar.
No hospital, entre idas e vindas, notei também as vidas. Estando na ala feminina, notei como uma mulher gravemente doente olha os visitantes. Ela, no leito próximo, parece pedir socorro pelo olhar. Por vezes a enfermeira entra para examinar todas elas e todos nós fazemos perguntas sobre a saúde, alta, coisas assim. Mas o que mais me sensibiliza é exatamente isso, esse silencioso pedido de socorro que vem do olhar dessas pessoas doentes. E o que pude notar é o olhar, igual em tudo. Água, carinho, atenção, serem cobertas com esse frio, é o que pedido que percebemos no olhar. É uma atitude normal do ser humano assim, pedir socorro e esperar que quem está próximo lhe dê esse socorro. Não é como se esperasse. É como se tivesse a certeza de ser socorrido.
Enquanto olhava os trilhos, me lembrei da revista que peguei para ler na sala de espera. Antiga, com folhas faltando, como não podia deixar de ser, trazia as velhas notícias do rumoroso caso do escândalo das ambulâncias e remédios superfaturados. Os culpados por isso seguem com suas vidas sem problemas. Vendo toda aquela dor no hospital me perguntei que tipo de justiça temos que permite isso. Depois, enquanto pensava em tudo isso, passou uma composição de carga. Vagões fechados, o barulho da locomotiva e o zunido das rodas se atritando nos trilhos. E então me lembrei dos filmes em que vemos vagões de carga repletos de seres humanos, sendo carregados para os campos de concentração nazistas. Pensei nas milhares de pessoas que por conta dessa corrupção sofrem com o abandono em hospitais públicos e não pude deixar de comparar esse sistema de justiça que não pune os culpados e ao mesmo tempo permite a exibição de insolência desses criminosos políticos em continuarem roubando e arquitetando novas fraudes. Só porque eles tem a certeza da impunidade, condenam milhares de cidadãos, por assim dizer, a serem enfiados nesses trens de sofrimento. O que é a natural atitude do ser humano em buscar socorro, por conta dessa gente, acaba se transformando em uma viagem ao inferno.
Olhei os trilhos novamente, a bruma havia se dissipado e em seu lugar, mesmo com o ar frio e o sol fraco, os trilhos apareciam com uma beleza que eu ainda não havia percebido, pela umidade se condensando em sua superfície brilhante e pelo reflexo suave que se estendia até desaparecer de vista. O sol poente, os trilhos, o ar frio me batendo no rosto e uma fina garoa começando a cair. Era hora de voltar para casa. Olhei mais uma vez o espetáculo de luz dos trilhos e do sol poente.

Todos nós temos um caminho a seguir. Esse tem sido o meu por esses dias. Muitas vezes é no trilhar dos caminhos da vida que aprendemos muita coisa.

Voltei a lembrar dos trilhos sendo vergados pelo peso dos vagões, pelo zunido forte das rodas atritando e desgastando os trilhos e senti como se minha alma estivesse assim. É verdade, há dor, mas também um aprendizado. Mas em certos momentos, a dor é tão grande que eu preferiria não ter que aprender nada. Mas são coisas da vida. Uma delas é ter que seguir em frente.