terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

D34 Caminhada de volta

Como eu disse, no sentido contrário...
Voltei hoje para caminhar na pista no sentido contrário para ver a fila de carros de volta para São Paulo.
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Surpresa total. Poucos carros, nem parecia fim de feriadão. Acho que todo mundo decidiu voltar bem antes. Ou então emendaram uma boa conversa depois do almoço para voltarem mais tarde. O sol estava escondido por trás das nuvens aparecendo de vez em quando. Até a fábrica que normalmente está com as chaminés a pleno vapor, parecia abandonada. Típica terça-feira de fim de carnaval mesmo.
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Voltei, coloquei a roupa de molho e enquanto ouvia as beatas cantando na igrejinha, fui ver algumas imagens dos jornais sobre a movimentação no feriadão.
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Aí separei algumas delas, imaginando alguma situação aflitiva, já que no meio do caminho, quando fui beber água, descobri que tinha levado as garrafas de água vazias da primeira caminhada. E eu com a boca mais seca do que o asfalto. Que coisa.
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E fiquei imaginando o que pode acontecer em estradas inacreditavelmente congestionadas nesses dias, tanto na ida como na volta. E juntei algumas fotos com a idéia de algumas possíveis situações.
- Acalme-se vizinho, estou aqui no meio da estrada. Fale mais devagar. O celular está com o som ruim...As portas da minha casa estão abertas? Parece gente estranha na minha casa?
O quê...? Um sujeito saiu com minha televisão embaixo do braço...? De carona com outro que está levando minha moto...?

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- Mas querida...Você me disse que o pessoal da oficina te falou que a revisão do carro estava completa. Ou a gasolina evaporou sozinha de dentro do tanque ou esse medidor está parado na marca de cheio desde que saímos...
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- Não acredito, peguei logo as passagens velhas da viagem da semana passada...E agora...?
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- Mas amor...Você não disse que tinha posto a carteira no bolso da calça...? Estava tudo lá...Passagens, cartões de crédito, dinheiro...Deixei tudo certinho nela, em cima da estante...
Ah, você pegou a carteira velha que estava no guarda- roupa...? Essa estava vazia mesmo...

Eu coloquei tudo certinho naquela nova que te dei de presente...

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- O funcionário da empresa de ônibus disse que o ônibus reserva quebrou quando saiu da garagem...Parece que era o último que eles tinham...
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- Ô minha sogra querida...Então você vai ficar mesmo esse mês todo lá em casa...? E sua irmã também vai...? Ah, que maravilha...
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- Querido...Eu não disse que essa oficina era uma bagunça...?
O estepe que colocaram no
porta-malas não tem nada a ver com o nosso carro...
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n
Fico imaginando. Esquecer as garrafas de água, tudo bem. Mas uma dessas, que dureza.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

D33 Caminhada

É bom ver a fila de carros...
A fila de carros na saída de São Paulo. Não seria uma má idéia ficar em casa.
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Mais um feriadão, o do Carnaval e lá vem a fila de carros, coisa mais divertida de se ver do que se pode imaginar.

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Agora de tarde, sol quente, caminho pelo asfalto, afinal o caminho é regular, melhor do que trilhas que incomodam com barrancos para todo lado. Além disso o calor que o asfalto exala força o corpo num exercício para valer mesmo. Olho de um lado da estrada e tem um ou outro carro, olho do lado que vem de São Paulo e tem uma fila impressionante. É divertido ver o que chamo de a clássica família paulistana. Mecanizada, enlatada e sempre viajando para o interior na primeira chance que aparece. Enquanto isso caminho pelo acostamento curtindo um maravilhoso sol de 37°C e toca a olhar a fila de carros e toca todo mundo que passa a olhar para mim pensando que eu devo estar indo a pé para São Paulo. É divertido.
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Mas de manhã, procurando algumas ferramentas para uma pequena reforma aqui em casa, fui no ferro velho, delícia de passeio. Passear pelas ruas da cidade até que é divertido, mas passear no ferro velho é melhor ainda. Enquanto procuro uma ferramenta aqui, outra alí, olho para aquela profusão de peças e me maravilho. Rolemãs, engrenagens, transmissões, sistemas hidráulicos e na minha mente vai surgindo a idéia de montar algum tipo de máquina. Acabo separando um tanque de pressão tirado de algum caminhão, vai dar um compressor e tanto, mais tarde venho pegar, além disso os preços são praticamente um presente. Depois uma pequena manutenção, uma mão de tinta e pronto, tudo funciona, desde que bem planejado. É, passear no ferro velho é melhor do que passear na Disneylândia. -
Uma linda pilha de peças para montar. É só saber como.
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Nem acredito que na segunda feira estarei lá de novo, afinal, nesse sábado o pessoal já estava parando, mas ganhei uma aula grátis sobre prensagem de metais. Olhei aquela prensa enorme transformando metais velhos num bloco que vai para a siderúrgica. Que legal.

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Voltando em casa preparei mais algumas coisas que vou arrumar na reforma, fiz uma pequena refeição, passei a mão na cabeça do cachorro, que coitado, está velhinho e não aguenta mais essas caminhadas e aí tomei o rumo da estrada. Um maravilhoso sol queimava a cabeça de todos. O calor estava tão forte que ao chegar no asfalto imaginei que iria encontrar tropas da Legião Estrangeira também passeando por alí.
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Enquanto caminhava quilômetro a quilômetro, fui vendo o desfile de carros agora bem velozes, já que a saída de São Paulo ficou bem para trás. De relance dá para ver as famílias metropolitanas indo tomar um refresco no interior. O marido dirigindo, a mulher do lado, no banco traseiro três figuras, uma delas de cabelos brancos, aposto que é a avó dos dois pimpolhos. E deve ser um filho e uma filha, já que o carro que passou levava no teto uma bicicleta preta e outra cor de rosa, só pode ser. E é aquela fila de carros passando, fora os caminhões numa velocidade de fazer meu boné voar às vezes. Fico sem saber se os carros correm porque querem chegar logo na casa dos parentes ou se é porque os caminhões vem atrás com dezenas de toneladas de carga que freio nenhum vai segurar. Quando não fogem de assaltantes em São Paulo, correm de jamantas no interior, que divertido.
Uma maravilhosa fila de carros no congestionamento da multidão que vai para a praia. O sujeito no volante, a mulher reclamando, a sogra falando em passar um mês na casa dele, os filhos brigando e o cachorrinho latindo. E chamam isso de viagem de lazer. Que legal.
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Enquanto isso, entre uma música e outra, escuto no radinho que as estradas para as praias paulistas tem lentidão e em alguns pontos os carros estão parados. Deve ser frustrante. O sujeito entra na concessionária, olha os modelos, escolhe aquele carro que vai de zero a cem quilômetros em 10 segundos e depois fica andando a 5 quilômetros por hora numa fila interminável, que mais parece um cortejo fúnebre do que viagem numa autopista, que legal. E quando chega, encontra o mesmo cortejo no posto de gasolina, no hotel, na padaria, no restaurante, no supermercado e na praia mesmo. Que situação.
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A mulher que amo continua em meus pensamentos. Ela já me prometeu que vai fazer essa caminhada comigo. Chego no sétimo quilômetro, paro e olho a subida que deixei para trás e penso no que ela vai dizer quando estivermos por aqui logo logo e ao olhar a próxima curva, vai descobrir que faltam ainda alguns quilometrozinhos a mais. Sem contar o sol que agora deve estar uns 40°C. Mas vamos em frente.
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Ah, chegou a pausa que refresca. Só tenho uma garrafa de água, mas já cheguei no bosque, que dá uma sombra deliciosa, fora a gostosura que é encher os pulmões com esse ar fresco com perfume de eucalipto. Penso nas pessoas na cidade grande espremidas dentro de trens, dentro de ônibus fumacentos, enlatadas dentro do metrô e fico imaginando quantas pessoas devem vez ou outra ter um treco dentro daquilo tudo.
Bosque. Ar puro, sombra e meditações. E ao longe a fila de carros passando.
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Paro um pouco no bosque, admiro toda aquela natureza, aquela paz e depois me lembro que na segunda feira vou no ferro velho pegar meu tanque para fazer o compressor. Passear no ferro velho, passear na pista com esse sol, chegar em casa e passar a mão na cabeça do cachorro que vem me receber, tomar um refresco e depois tirar as botas.

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Na terça feira faço o caminho contrário para ver o povo voltando para a cidade grande.
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É, realmente é mais divertido do que passear na Disneylândia.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

D32 Cachorro inútil

E depois de tudo, ele fica só olhando...
Levantei hoje decidido a dar cabo do último toco de árvore que havia ficado no quintal. Eu já tinha arrancado seis outros tocos e paguei meus pecados com a força que tive que fazer. Com a chegada de mais chuvas o quintal virou um lamaçal. Então fui preparar mais ferramentas e esperei os dias chuvosos passarem.
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No quintal, o toco que havia sobrado, tal qual condenado no corredor da morte, aguardava seu destino. Mas corajoso, nem sequer lhe passou pela cabeça tentar uma fuga durante a noite. Encontrei-o de manhã no mesmo lugar, altivo e sereno, pronto para enfrentar a sentença de morte, tal qual os condenados dos contos de heroísmo.
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Então comecei a a cavar o fosso em volta com a picareta. Mas grosso como era, o toco não ia entregar a pele ou melhor a casca tão barato. Já cansado de travar a ponta da picareta entre as raízes para depois forçá-la para a frente arrebentando todas elas, fui executando a sentença de morte. Dei mais umas marretada para começar a soltar o toco da base e voltei a cavar de lado com a picareta com golpes de arrasar e o toco firme, sem pestanejar e nem gemer me fazia passar vergonha na frente do meu cachorro, que deitado perto dalí, se aquecia no sol da manhã bem folgado, me olhando intrigado, pensando com certeza em que tipo de coisa eu estava a derramar bagas de suor pela testa.
Mas se o toco estava condenado, não deixou também de arquitetar sua vingança. Depois de mais um golpe fundo, travei a ponta da picareta numa raiz das grandes. Com certeza essa era a última. Forcei o corpo para a frente com toda a força, ouvi a raiz estralando e aí o toco se vingou com um último suspiro. A raiz arrebentou de uma só vez. Com as mãos segurando firme o cabo da picareta, forçando a raiz com o peso do corpo bem inclinado e com os pés para trás, eu só poderia ir para um lugar, para o chão. Ainda levei uma perna para a frente para me apoiar, só para enroscar o pé numa raiz que havia ficado bem para fora da terra. E aí foi a vingança do toco. Antes de poder tirar as mãos do cabo da picareta e com o pé enroscado, fui de boca no chão, justo no cimentado do lado do toco. Meus lábios serviram de almofada para os meus dentes que ainda latejam.
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Enquanto isso, esse cachorro inútil ficava olhando tudo, talvez pensando que fosse uma espécie de jogo entre o toco e eu e pelo jeito, enquanto via eu me levantando com a boca cheia de areia e com um fiozinho de sangue começando a descer, ele deve ter pensado que o toco ganhou. E continuou feliz tomando sol enquanto fui para o banheiro olhar o estrago no espelho.
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Na medida em que olhava e sentia o dente latejando mas ainda no lugar, pelo menos e espero que continue assim, meu lábio já ia virando um beiço enorme, cortado e inchado. Que situação. Enquanto estava no banheiro, vi esse cachorro passando para deitar bem sossegado no tapete da sala. Que inútil.
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Voltei lá e aí o toco saiu fácil, foi só levantar com uma ponta de ferro que fiz e pronto, o último toco saiu do quintal. E enquanto isso sentia o gosto de sangue na boca e o agora beiço latejando. Lavei as ferramentas, tomei banho e olhei de novo o beiço enorme. Olhei bem os dentes da frente e me pareceu ver uma trinquinha pequena num deles. Tomara que continuem no lugar.
Assim que me vesti, ainda sentindo o gostinho de sangue na boca, afinal cortou por fora e por dentro, esse cachorro desclassificado aparece na minha frente abanando o rabo, com seu habitual jeito de dizer que é hora do almoço dele e ele quer ração.
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Que mais eu podia fazer a não ser servi-lo? Cachorro inútil. Podia ter avançado para cima do toco, ter-lhe dado umas dentadas, ter escavado valentemente em volta do toco me ajudando, mas que nada, ficou lá tomando sol e só me olhando caído de boca no chão.
E ainda por cima tenho que servir ração para ele. Eu já tenho dúvidas se sou dono desta casa ou só um mordomo aqui. Que situação. E toca a passar remédio no beiço.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

D31 Eu não acredito e ele não gosta de mim

Apesar de não existir, ele não gosta de mim, ao menos por hoje...
Sou ateu. Mas parece que Deus, apesar de não existir, ao que tudo indica não gosta de mim. Ou pelo menos hoje não. Parece que assim que acordou, foi espreguiçar-se na janela do Céu e deu de cara comigo andando aqui embaixo na Terra e não ficou propriamente feliz comigo, sabe-se lá porque. Seja lá como for tive uma dura luta capinando o quintal com a enxada escapando toda hora do cabo. Já tostado pelo sol da manhã, que estava bem forte, tratei de ir ao mercado para comprar pão.
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Mas não achei nem pão doce e nem de forma, pão tinha acabado e nesse horário sempre sobra. Até mesmo a televisão de cachorro, que é como chamo aquela máquina com um monte de frangos assados virando de um lado para outro já tinha sido recolhida. Comprei umas bananas para fazerem o papel de pão e fui voltando para casa que uma parte do capim e quatro tocos de árvores ainda estavam me esperando.
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No caminho vejo um carro passando e decididamente o passageiro jogou pela janela uma maleta tipo executivo certinho numa dessas armações de arame para colocar lixo e o carro sumiu esquina abaixo. Ora essa, com tanto assalto de caixa eletrônico por aí, pensei que de repente podiam ser alguns meliantes que estivessem pondo uma maleta cheia de dinheiro fora para escaparem de alguma batida da polícia. Um golpe de sorte e além disso achado não é roubado. Fui conferir a maleta, até meio velha, mas só tinha um jornal velho dentro, não tinha mais nada, eram as dobradiças que estavam arrebentadas e provavelmente não valia a pena o conserto. Achar maleta com dinheiro? Essas coisas só acontecem no cinema.
Depois do almoço voltei a capinar o quintal. Sol de uns 37°C mas tudo bem, depois de algum tempo o corpo ignora o calor. A verdade é que não tive outra saída. Bem que tentei contemporizar com reflexões ecológicas, mas aquelas urtigas e carrapichos passaram a semana inteira me olhando com cara de quem não ia arredar pé dalí de jeito nenhum. Não me deixaram outra alternativa. Tirei minha enxada do coldre e fui para o duelo. Mas tenho que admitir. Os carrapichos e urtigas foram tipos durões. Não deram um passo para trás. Foram destemidos até o fim.
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Quem sabe a fortuna me sorria aqui. Talvez exista algum tesouro oculto no quintal e que se revele agora. Cavo quase meio metro para tirar um cano velho. Ora, no velho seriado Dallas o patriarca da família ficava rico achando petróleo assim. Ou quem sabe talvez eu ache ouro. Achei. Não é bem ouro mas é uma moeda de 5 centavos de 1969. Pelo menos uma lembrança de bons tempos.
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Achar petróleo ou ouro ou maleta de dinheiro só no cinema mesmo.
Continuo capinando e a enxada, já parecendo ter vontade própria continua se soltando. Parece ter lido os sonetos de Castro Alves contra a escravidão e decidiu dar a si mesma a sua própria carta de alforria, mas termino com as odiosas ervas daninhas. Um erro de Deus, sem dúvida. Quando o quintal está limpo, os passarinhos ao ciscarem por alí soltam com seus dejetos sementes de carrapichos, urtigas e todas as outras plantas que só infernizam a vida do ser humano. Já que Deus inventou isto não podia ter feito os passarinhos deixarem sementes de pés de laranja, pés de maçã, ramos floridos, ervas medicinais e coisas assim? Não, Deus achou que devia ser assim e assim até hoje é, que coisa.

Terminado o confronto com as ervas daninhas me preparo para a luta contra os quatro tocos de árvores, que corajosos nem sequer encenam sair do lugar em que estão. Esses tocos, com raízes nada desprezíveis pelo que eu já tinha visto dão um trabalho e tanto. Já tinha pedido umas dicas para o pessoal que cuida de jardins e as notícias foram todas desanimadoras. Não tem mágica, tem que cavar de lado, fundo e fazer mais força do que trator de prefeitura. Mais um erro de Deus. Certo, as árvores tem que ter raízes firmes para não saírem voando na primeira brisa, mas na hora da gente arrancar devia ser assim, a gente puxava e ela saia como se fosse um pé de alface, mas não, Deus tinha que fazer assim, não é ele que vai arrancar mesmo.
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Parto decidido para a luta contra o primeiro toco. A cada golpe da picareta, ela se enterra no chão e se enrosca nas raízes. Aí faço uma força de que não me sabia capaz e as raízes vão cedendo. De vez em quando paro e vou tomar água. E toca a ir rodeando o toco com a picareta, o fosso em volta aumentando e aquele monte de raízes arrebentadas subindo. Nem acredito. Quando eu já estava para jogar a toalha e abandonar o ringue, o toco cede e sobe com tudo, olho para o buraco que ficou e limpo o suor da testa. Puxa vida, foi-se o primeiro.
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Vou para cima do segundo toco e quando dou o primeiro golpe, cravo a picareta fundo e dou um empurrão com toda a força e escuto o estralo. Não consigo acreditar. O cabo da picareta, com toda a grossura que tem, se partiu. Não tenho como continuar. Fim da partida. Arrumo as coisas e deixo para amanhã.
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Vou tomar um banho e assim que abro a torneira, surpresa, não tem água. Vai voltar, como acontece as vezes, quase de noite. E eu com terra até nos cabelos. Decididamente Deus hoje não estava muito contente comigo. Mas já que Deus existe, como dizem, já que ele uma vez jogou tanta água na Terra que afogou todo mundo, será que não dava para jogar um pouquinho de água pelo chuveiro só para um banhozinho? O que é isso homem, mude de humor comigo. Mas nada, só uma pequena gota cai. Mas o que é que eu fiz de errado? Que coisa.