quinta-feira, 31 de maio de 2012

L12 Grandes expectativas

Grandes expectativas, mas na prática...
Depois de consertar o pequeno rádio que me fala sem parar das coisas da vida, estava eu de novo ouvindo os pregadores da rádio católica Canção Nova. Confesso que é divertido o que se ouve em certas pregações. Em certos momentos os carismáticos destilam seu ódio pelos padres reformistas ou marxistas, os antigos padres da Teologia da Libertação da década de 80, o que é compreensível. Depois do caso do Frei Leonardo Boff, que terminou condenado ao silêncio por ninguém menos do que Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI e na época chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, vertente da igreja que defende a ortodoxia e atraso religioso e social. A Teologia, apesar de ser mais encenação do que verdade irritou o alto clero da Igreja que queria tudo, menos entrar em choque com os grandes latifundiários e os piores e mais atrasados chefes políticos sul-americanos, que sempre lhes garantiram grandes riquezas e leis favoráveis, enquanto que os padres, em contrapartida tratavam de disseminar a ignorância e o conformismo entre os pobres.
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E justo nessa noite estava um pregador a contar que tinha uma reza milagrosa e coisas do tipo. Que uma mulher grávida, que já estava segundo os médicos, com o feto morto no útero e até já em decomposiçào, inconformada pegou um avião até Londres onde estava o pregador, que rezou sobre uma foto da família dessa mulher e milagre dos milagres, o feto voltou à vida, se recompôs dentro do útero e nasceu com perfeita saúde. Custa crer que esse pregador, capaz de ressuscitar até um feto em decomposição não saia pelos hospitais brasileiros curando todos os doentes que agonizam na porta deles, enquanto que a campanha que seus chefes bispos levam aos ares é precisamente sobre a saúde do brasileiro. Isso ele deixa para o Espírito Santo.
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Um pouco antes, um outro pregador falava dos momentos em que orava a Deus pedindo a ele que o usasse para curar aleijados, ressucitar pessoas e fazer grandes milagres. E logo após contar essa estória, desatou a abençoar as pessoas dizendo que quem estivesse com dor nas costas, dor nos braços, dor nas pernas e outras dores conhecidas dos farmacêuticos, agora em nome de Jesus estava curado. Mas sobre ressuscitar alguém, não disse nada. 
Todos nós temos grandes expectativas na vida, sem dúvida, mas convenhamos que de colocar-se no rol dos ungidos para ressuscitar pessoas e terminar curando dores do lombo, do pescoço e das pernas, é no mínimo decepcionante. É como encontrar uma pedra dourada que se acredita ser ouro e depois descobrir que apenas foi pintada de dourado com tinta barata.
E depois de certo tempo, entrou um pregador desses que fala a língua do Espírito santo, o que eles dizem ser o dom de línguas. Notei que houve um progresso na língua que o Espírito Santo fala aos seus fiéis. Quem ouvir essas pregações, ouvirá o Espírito santo dizendo o seguinte e interminável refrão "Ala-bala-ba-ala-re-a-la-lá" com algumas variações, mas que lembra muito as músicas da Xuxa, com seu conhecido "ila-ri-ê" que foi sucesso entre os baixinhos na década de 90. Pois nessa noite o Espírito Santo decidiu talvez deixar o sotaque do pregador mudar seu jeito de falar. Ouvi o pregador a falar, ou melhor, como dizem o Espírito Santo falando desta vez da seguinte forma "Ô-cho-ro-chô-cho-rô-mo-le-le" e por aí foi um bom tempo.
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Sempre me pergunto porque o Espírito Santo, que segundo os crentes é o próprio Deus tem a pachorra de descer até a Terra e falar para seus filhos nessa linguagem incompreensível, ao invés de por exemplo, de forma beatífica e enternecedora repetir um sermão que tocasse todos os corações em palavras claras e plenamente compreensíveis. Mas os fiéis tem uma explicação quando questionados sobre isso. Dizem que isso é o dom das línguas e não importa que ninguém entenda nada. Nas reuniões dos fiéis, depois de ouvirem esse chororô todo, eles sabem exatamente o que devem fazer, pois isso lhes foi revelado através dessas contorsões verbais, consideradas revelações divinas, se bem que nem o Papa seja capaz de entender nada do que foi dito.    
E assim continuam as pregações, que confesso, são interessantes de se ouvir. Grandes expectativas, mas na pratica, nem tanto. Apenas contorsões e malabarismos verbais e milagres relatados de pessoas com todo tipo de doenças curadas, mas dentro de hospitais, nunca ao vivo no palco onde estão os pregadores. São coisas da vida. E das grandes expectativas.
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quinta-feira, 17 de maio de 2012

R51 O tempo não para

Como na música...
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Saiu hoje a notícia da morte de uma cantora americana. Lamentei a morte e lembrando dela comecei a recordar muita coisa do passado. Uma delas é como vamos aprendendo a ver que, como dizia uma canção, o tempo não para.   
Leva tempo para ver isso e uma das coisas que vemos é como o tempo não poupa ninguém. Homens e mulheres veem o dito cujo passar implacável e levar com ele muita coisa nossa.
Ao longo dos anos começamos a notar no espelho que de forma incômoda começam a cair os cabelos. Nem todo mundo passa por isso, só a maioria do homens. Alguns amigos meus mais precavidos e para poupar tempo talvez, já trataram de perder os cabelos pouquinho depois dos 20 anos. Eu pelo menos ainda uso o pente.
Com o tempo avançando, outras coisas começam a cair. A parte de baixo do queixo, a barriga que teima em sair por baixo da camisa e olhamos as fotos de 30 anos atrás e nem acreditamos que tínhamos aquela barriga retinha. O pior é que outras coisas que deveriam ficar em pé começam a cair também nos momentos mais inesperados.
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Vemos aquela moça linda que era nossa paixão secreta também de 30 anos atrás e que íamos olhar na praça a noite. E hoje olhamos para ela e não acreditamos no que vemos. Como ela conseguiu ficar desse tamanho?
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Ficamos mais virtuosos como dizia um escritor mas não porque ficamos bonzinhos. É que trocamos a leitura dos rótulos das garrafas de cerveja nas noitadas pela leitura das bulas de remédios antes de dormir. 
E depois começamos a ver aqueles fantásticos artistas de cinema de filmes maravilhosos que assistimos e que foram demais em peripécias, começamos a ver cantores maravilhosos que embalaram nossas mais quentes e divertidas noites e onde vemos todos eles? 
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No noticiário que mostra nossos queridos artistas  sendo levados para o cemitério depois do velório onde foram lembrados pelos grandes filmes e pelas grandes músicas. Nós na platéia começamos a sentir que não estamos muito longe de vê-los novamente, só que não vai ser nesse mundo.
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E a vida prossegue com essas constatações. Saímos na rua e crianças muito sensíveis para o drama nos chamam de "tio". Apenas para não dizerem "ô vô, que horas são".
Por falar nisso, aquele cantor que cantava a música que dizia que o tempo não para, não sei se sabem, já morreu também. É, o tempo não para.
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Ô tempo cruel.
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sábado, 5 de maio de 2012

L11 O milagre que faltou

Só uma gota...
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Com o radinho de pilha ligado outra noite enquanto apertava uns parafusos numa peça, fui ouvindo como sempre a pregação de um padre que já tinha ouvido na rádio católica Canção Nova. O que sempre notei em suas pregações foi o tom de um pregador que apesar do verniz de modernidade, trazia intolerância contra os não crentes de sua fé. Contra os ateus como eu, desprezo, mas é parte da sua pregação durante os programas e sem maiores alardes porque hoje o politicamente correto abusa da sua existência, já meio desgastada.  

Como sempre falou o pregador, Ave Maria, Jesus, incontáveis santos e o próprio Deus traziam para os fiéis a cura de qualquer doença, libertação de problemas de todo tipo e tantas benesses que impressionam qualquer um, se bem que o estilo de pregação dos carismáticos católicos foi tomado de empréstimo dos pregadores evangélicos.   

Sendo uma característica universal do ser humano racionalizar a existência de um mundo espiritual futuro onde as misérias de sua vida atual serão transformadas em compensações e os bons estarão num paraíso e os maus estarão no que idealizam como inferno, óbvio que os pregadores falam nas rádios tanto católicas quanto evangélicas de curas e prodígios que ficam, claro, eternamente sem comprovação. Nessa noite o pregador aludia aos milagres de santos católicos, da Ave Maria pelo mundo, dos milagres em santuários católicos, falava da visita do papa João Paulo ll no Brasil e continuava sua pregação dizendo que na frente do papa aqui no Brasil ficaram os leprosos, os paralíticos em cadeiras de rodas e coisas assim. Para o ouvinte atento surgia aí um hiato interessante. Em nenhum momento ele falou que o papa curou esses doentes. Mas continuou a pregação e a platéia aplaudiu. 
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Foi aí que notei que certas datas e a forma que ele falava só podiam ser de uma gravação. Falava de coisas passadas, anos passados como se fosse no ano passado. Eram então gravações todas as vezes em que o ouvi. Fiquei surpreso de não ter percebido antes. Depois, com a exortação dele de curas, milagres e veneração a todos os santos, entrou outro locutor dizendo que os ouvintes tinham acompanhado a pregação do tão falado padre Léo. Ora, aí é que fui entender. E aí também que pude ver mais uma vez a extensão da tragédia que se abate sobre os crentes em geral, quando são atingidos pelas dores que afligem qualquer pessoa. E abandonados pelos seus santos.
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Doutrinados por seus padres e pastores, os fiéis acreditam de todas as formas nos milagres e curas, que claro, são sempre sem comprovação. Falam apenas, contam nebulosas estórias de uma época que ninguém viveu, milagres em que nomes não existem e de curas milagrosas em algum lugar remoto. Pior ainda, os milagres reportados por esses pregadores com testemunhas vivas e presentes no palco, invariavelmente trazem a sina de terem ocorrido dentro de um hospital ou enquanto o fiel milagrosamente curado recebia tratamento médico ou era operado. Não há um único relato de um fiel sem pernas perdidas num desastre que depois de orar tivesse tido a graça de acordar com elas refeitas novamente. Ou de um cego sem olhos, perdidos em algum acidente que tenha subitamente passado a ver com olhos novos, fazendo com que todos a seu redor caíssem de joelhos e convertidos. Nada semelhante.  Eu mesmo se visse um milagre desses me converteria.              
Enquanto rememorava a pregação sobre curas e milagres do padre Léo me lembrei do papa João Paulo ll, cuja doença e agonia foi vista por milhões de pessoas no planeta, mostradas pela televisão, inclusive o dramático momento em que atingido pela doença contorceu-se de dor na frente dos seus fiéis no Vaticano em Roma. Durante a sua doença, ao invés de ir em seus santuários católicos de onde se contam milagres e mais milagres, o papa foi para as melhores clínicas de Roma. Mas se as curas em Lourdes, em Medjugorge são tantas, porque não ir num lugar desses, orar e esperar pela graça divina? 
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Que efeito não teria um papa surgindo curado e refeito de sua doença pelas mãos do Espírito Santo, de Jesus, de Deus, da Ave Maria tão venerada ou de qualquer outro santo que fosse? Milhões de pessoas cairiam de joelhos, religiões inteiras do mundo mudariam para o catolicismo, mas nada. O papa seguiu seu calvário sem cura. E no momento final, não o vimos milagrosamente elevado aos céus, iluminado pela luz divina, com o que proclamaria o poder do seu deus e sua vitória contra a morte carnal. Morreu mesmo, como qualquer mortal ou qualquer descrente.
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O que não deixa de doer na consciência dos fiéis e que eles não admitem para ninguém e ficam tentando espantar esse pensamento de si mesmos, é a relembrança dos momentos em que seus pregadores sempre culpam os próprios fiéis por não terem sido abençoados com uma graça. Se a cura não veio é porque o fiel não teve fé. Se a graça não foi alcançada é porque o irmão não deixou Deus chegar até ele. E por aí vão os pregadores no momento em que tudo está bem, até que sejam eles também atingidos pelo mesmo mal que contemplam.
Me lembrei então que o pregador, o padre Léo passou mal e foi diagnosticado com câncer pouco tempo depois. Imagino a cruzada de orações que deve ter sido de novo a sina dos fiéis, orando pela intercessão da Ave Maria em favor do seu pregador, que anunciando cura atrás de cura nos seus programas se via agora abatido com essa doença. E nenhuma resposta veio dos santos. Apenas o trabalho dos médicos teve algum resultado. Nenhum santuário foi procurado pelo padre, nenhum milagre aconteceu afinal. 
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A doença seguiu seu curso e no final ele ainda pôde rezar uma missa bem debilitado e depois disso a morte cobrou seu preço. De novo a decepção silenciosa dos fiéis, que não admitem uns para os outros, nem para si mesmos que seu pregador tão próximo de Deus, de Jesus, da Ave Maria e testemunha de tantas curas e milagres foi no momento mais decisivo abandonado pelos seus santos. É a triste verdade que emerge desses fatos.   
Muitas vezes penso nesses acontecimentos. A esse Deus tão poderoso que abriu o Mar Vermelho para seu povo eleito passar, um milagre como esse teria sido uma coisa tão simples. Para Jesus também. E para a Ave Maria, teria sido por um simples dela olhar sobre seu sacerdote desvalido que ele estaria curado.
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No entanto, todas essas divindades, toda essa constelação de santos, com todo esse poder de curas e milagres, não deram desse imenso poder uma gota que fosse para salvar um dos seus mais ardorosos pregadores.
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Em certos momentos a crença é mais dura do que a descrença.
Vellker
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