segunda-feira, 3 de setembro de 2012

D39 O piloto do prédio

Somente para pessoas arrojadas...

Saiu por esses dias reportagem sobre a construção de prédios com quitinetes de luxo com o inacreditável tamanho de 30 metros quadrados, algumas até maiores, coisa que se as quitinetes antigas tinham e até mais, ao menos tinham um preço decente.
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Pois pela inacreditável quantia de 400 mil reais, o tresloucado comprador será o feliz proprietário dessa pequena cabine chamada de apartamento, com certeza uma visão bem humorada das construtoras.
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Como a venda só se consuma com a construtora geralmente adulando o comprador, os representantes das construtoras se desmancham em elogios aos possíveis compradores, que segundo eles são pessoas arrojadas, refinadas, da elite, que querem o melhor e mais frases do tipo que todo estelionatário usa para deixar sua vítima mansa até fazê-la assinar algum cheque em branco.
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Dizem também que neste apartamento a pessoa tem uma experiência incrível, que não tem em apartamentos maiores, deixando entrever que ter um apartamento maior é coisa nada arrojada e quem sabe coisa de gente nada arrojada também. Sendo assim, somente pessoas arrojadas e refinadas quererão viver em tal aperto, que faria até uma pulga se sentir pouco à vontade, mas o arrojo tem seu preço.
Com as fotos que foram publicadas nos jornais pode-se ter uma ideía do apartamento, que com certeza levará seu morador a ter experiências que num apartamento grande seriam impossíveis. O desenho e espaço das quitinetes foram, segundo os construtores, inspirados em cabines de aviões.
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Segundo os construtores, o espaço sem paredes sugere uma uma requintada e total vivência  do espaço disponível. Sem dúvida. Com a namorada no apartamento e sem a privacidade de poder atender ao telefone sossegado, o sujeito atenderá somente chamadas da mãe dele, da mãe da namorada e todas as outras chamadas serão engano, mesmo que sejam da outra namorada dele. Que experiência e tanto pela falta de paredes.    
Na sala pode-se pular da cadeira para o sofá apenas rebolando um pouco para o lado. E como se pode ver pela foto, outra experiência inédita é a de tentar abrir o jornal na sala ou melhor, micro-sala. E pelo tamanho da cozinha, intui-se outra experiência inesquecível, a de abrir o forno micro-ondas enquanto o armário atrás está aberto.
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Outra vivência marcante neste apartamento é a fidelidade conjugal. Não tem paredes, não tem armários, o banheiro não dá para usar de esconderijo, embaixo da cama não dá para entrar, ou seja, esse apartamento preserva a fidelidade conjugal porque o adúltero ou a adúltera não tem onde se esconder se o cônjuge traído começar a bater na porta aos berros. É fidelidade conjugal garantida por parte do morador. 
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Outras vivências inesquecíveis serão receber visitas no corredor, porque dentro do apartamento é impossível. Deixar os livros na casa dos parentes, roupas na casa da mãe e coisas assim, porque lá dentro só a roupa do corpo e algum livrinho pequeno. Malas ou bolsas nem pensar, o morador só vai usar pochetes. Vivências maravilhosas como dizem as construtoras.
O banheiro é um primor de racionalidade. Atende aos requisitos descritos por um entusiasmado construtor que disse que um dos conceitos das novas quitinetes é o de aproveitar cada centímetro quadrado do espaço. Pelo desenho do banheiro, devem ter pensado em milímetros quadrados ou alguém entregou a planta errada ao pedreiro que construiu o prédio.
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No caso de uma dor de barriga imprevista ou de uma flatulência fora de hora, o morador passará pela experiência inédita de não poder abrir a porta do banheiro enquanto sua namorada termina de arrumar a mesa esperando pelo romântico jantar à luz de velas, no caso de uma vela só, pois é o que cabe numa mesa de meio metro quadrado. Ou, apesar de romântico, apenas um jantar de salgadinhos em pratinhos de plástico descartáveis, porque pelo tamanho da cozinha, vai ser difícil colocar coisa maior do que isso lá dentro. 
E pela ínfima soma de 400 mil reais, o feliz comprador desse espaço amazônico adaptado para o tamanho de um cachorrinho de estimação, será assim levado a sentir experiências de vivência espacial inéditas e só proporcionadas por espaços requintados como banheiros de submarinos, cabines de aviões e por fim, dos vagões do metrô nos horários de pico.
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Que maravilha.
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Vellker
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