Várias vezes vi esse anjo de pedra na entrada de um cemitério onde fui levar flores para o túmulo da minha família. Hoje relembrei de sua imagem e terminei de repassar uma emoção que tem me deixado de olhos úmidos ao longo desses dias. Desde o dia da morte da minha mãe, sentimentos que eu desconhecia e acontecimentos que eu nem imaginava me vieram pelos caminhos da vida como uma chuva suave vem durante a noite. Mas a dor e a emoção foram intensas. Há pouco menos de um mês ela morreu. Depois de muito tempo cuidando dela, naquele dia percebi pelo seu olhar que sua morte se aproximava. Ao cuidar dela mais uma vez, notei que o alento de vida que ela tinha até então se apagava em seu olhar. Aquilo era o fim de uma agonia de meses seguidos, onde a dor e o sofrimento tomaram vida em seu corpo. Chamei o médico, mas senti que tudo iria terminar.
Como fotógrafo, tendo já fotografado pessoas em situação de dor, percebi que a dor agora chegava na minha casa. Decidi registrar essa memória em imagens. Aliás a dor não chegava, ela se preparava para partir. Afinal havia meses que a dor estava aqui. Ao pegar minha máquina notei que o único filme que havia me restado era em preto e branco, que sempre uso para fazer uma textura especial de imagem ao fotografar campos e paisagens.E ao mesmo tempo, cenas que expressem um drama da vida.
Ontem a mulher que amo, com uma suavidade e uma ternura sem conta na voz me disse para não pensar mais nisso, para tentar esquecer. Ela tem toda razão. Sempre que um ente querido morre vamos nos pegar pensando que podíamos ter dito algumas palavras a mais, ter feito alguma coisa a mais. A morte traz esse sentimento. Simplesmente, por mais que tenhamos feito pela pessoa, vamos achar que faltou algum gesto, alguma palavra. Percebi que simplesmente tinha feito tudo o que podia. reconstruírmos a vida. No meio dessa reflexão, renascemos para a vida.
Pensei que se existir uma outra vida como dizem, pelo meu desejo as coisas serão diferentes. Um dos filmes que minha mãe gostava de ouvir a música inicial era "O sol é para todos" indicado por um amigo. Ironicamente filmado em preto e branco. Nele havia uma menininha chamada Scout, feliz e alegre, brincando numa cidadezinha. Se existir essa vida, desejo que ela tenha renascido assim, feliz como essa menininha.




























