sexta-feira, 19 de março de 2010

R22 A marca

Marcas ficam...

Estive por esses tempos, apesar do correr da vida, mais do que pensativo. Muitas foram as reflexões, mais que isso as emoções fortes, impossíveis de evitar nas relembranças da morte da minha mãe. Sou o último da família, passei por isso antes, mas desta vez ao lado das outras marcas na minha alma, essa foi a mais forte, a mais nítida de todas. Por vezes olhando para os caminhos do sentimento dentro do meu coração, me parece que só encontro ruínas, mas junto delas, sempre um caminho para ir em frente.

Se não tivesse tido o carinho da mulher que amo, não sei como teria passado esse tempo. Acima de tudo quando nos vimos, sua compreensão de tudo o que aconteceu, seu carinho, seu amparo, seu riso e seu olhar feliz em nosso reencontro foram tudo para que eu pudesse aos poucos começar a me refazer.

Às vezes, ao olhar para essas menininhas passeando com suas mães na rua, pequenas, magrinhas, de uns 5, 6 anos, com seu sorriso e sua voz estridente e risonha penso que uma dia minha mãe foi assim. E sem querer, do fundo da alma vem a lembrança de tudo o que ela passou, do sofrimento que foi e dos dias e noites em que a assisti até o dia final.

Não que eu queira lembrar e sentir meus olhos úmidos. Parece que tudo faz parte de um processo de cura da alma. O corpo já está refeito. A alma é que ainda se ressente de tudo o que foi vivido. É uma cura lenta, um processo demorado.

Hoje, vendo um pequeno teatro na igrejinha na frente da minha casa, um tipo de catequese, fiquei feliz em ver um coro de meninhas com o rosto pintado como coelhinhos da Páscoa. Era em ensaio improvisado de alguma peça que parece que vão representar. No fim tudo terminava em risos.

Olhei aquelas pequenas figuras cheias de vida e alegria, sorrindo com essas vozinhas sempre estridentes e sorri também. Pareceu que minha mãe gostaria que eu sorrisse assim. O dia pareceu ficar mais claro.

Agora pouco relembrei do riso delas, doce e solto e desejei do fundo da alma, com todas as forças, que no correr da vida tudo dê certo para elas, que sejam felizes. Olhei para o céu estrelado e no cintilar de cada estrela me pareceu que pingos de luz caiam sobre minha alma.

No fundo era a lembrança do momento em que sorriram tão cheias de vida e alegria, que até me emprestaram um pouco disso também. Dessa vez meus olhos não ficaram úmidos.

A marca na alma permanece. A cura é um processo lento, mas nessa noite as estrelas me brilharam com uma vida que eu tinha esquecido.