sábado, 5 de maio de 2012

L11 O milagre que faltou

Só uma gota...
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Com o radinho de pilha ligado outra noite enquanto apertava uns parafusos numa peça, fui ouvindo como sempre a pregação de um padre que já tinha ouvido na rádio católica Canção Nova. O que sempre notei em suas pregações foi o tom de um pregador que apesar do verniz de modernidade, trazia intolerância contra os não crentes de sua fé. Contra os ateus como eu, desprezo, mas é parte da sua pregação durante os programas e sem maiores alardes porque hoje o politicamente correto abusa da sua existência, já meio desgastada.  

Como sempre falou o pregador, Ave Maria, Jesus, incontáveis santos e o próprio Deus traziam para os fiéis a cura de qualquer doença, libertação de problemas de todo tipo e tantas benesses que impressionam qualquer um, se bem que o estilo de pregação dos carismáticos católicos foi tomado de empréstimo dos pregadores evangélicos.   

Sendo uma característica universal do ser humano racionalizar a existência de um mundo espiritual futuro onde as misérias de sua vida atual serão transformadas em compensações e os bons estarão num paraíso e os maus estarão no que idealizam como inferno, óbvio que os pregadores falam nas rádios tanto católicas quanto evangélicas de curas e prodígios que ficam, claro, eternamente sem comprovação. Nessa noite o pregador aludia aos milagres de santos católicos, da Ave Maria pelo mundo, dos milagres em santuários católicos, falava da visita do papa João Paulo ll no Brasil e continuava sua pregação dizendo que na frente do papa aqui no Brasil ficaram os leprosos, os paralíticos em cadeiras de rodas e coisas assim. Para o ouvinte atento surgia aí um hiato interessante. Em nenhum momento ele falou que o papa curou esses doentes. Mas continuou a pregação e a platéia aplaudiu. 
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Foi aí que notei que certas datas e a forma que ele falava só podiam ser de uma gravação. Falava de coisas passadas, anos passados como se fosse no ano passado. Eram então gravações todas as vezes em que o ouvi. Fiquei surpreso de não ter percebido antes. Depois, com a exortação dele de curas, milagres e veneração a todos os santos, entrou outro locutor dizendo que os ouvintes tinham acompanhado a pregação do tão falado padre Léo. Ora, aí é que fui entender. E aí também que pude ver mais uma vez a extensão da tragédia que se abate sobre os crentes em geral, quando são atingidos pelas dores que afligem qualquer pessoa. E abandonados pelos seus santos.
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Doutrinados por seus padres e pastores, os fiéis acreditam de todas as formas nos milagres e curas, que claro, são sempre sem comprovação. Falam apenas, contam nebulosas estórias de uma época que ninguém viveu, milagres em que nomes não existem e de curas milagrosas em algum lugar remoto. Pior ainda, os milagres reportados por esses pregadores com testemunhas vivas e presentes no palco, invariavelmente trazem a sina de terem ocorrido dentro de um hospital ou enquanto o fiel milagrosamente curado recebia tratamento médico ou era operado. Não há um único relato de um fiel sem pernas perdidas num desastre que depois de orar tivesse tido a graça de acordar com elas refeitas novamente. Ou de um cego sem olhos, perdidos em algum acidente que tenha subitamente passado a ver com olhos novos, fazendo com que todos a seu redor caíssem de joelhos e convertidos. Nada semelhante.  Eu mesmo se visse um milagre desses me converteria.              
Enquanto rememorava a pregação sobre curas e milagres do padre Léo me lembrei do papa João Paulo ll, cuja doença e agonia foi vista por milhões de pessoas no planeta, mostradas pela televisão, inclusive o dramático momento em que atingido pela doença contorceu-se de dor na frente dos seus fiéis no Vaticano em Roma. Durante a sua doença, ao invés de ir em seus santuários católicos de onde se contam milagres e mais milagres, o papa foi para as melhores clínicas de Roma. Mas se as curas em Lourdes, em Medjugorge são tantas, porque não ir num lugar desses, orar e esperar pela graça divina? 
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Que efeito não teria um papa surgindo curado e refeito de sua doença pelas mãos do Espírito Santo, de Jesus, de Deus, da Ave Maria tão venerada ou de qualquer outro santo que fosse? Milhões de pessoas cairiam de joelhos, religiões inteiras do mundo mudariam para o catolicismo, mas nada. O papa seguiu seu calvário sem cura. E no momento final, não o vimos milagrosamente elevado aos céus, iluminado pela luz divina, com o que proclamaria o poder do seu deus e sua vitória contra a morte carnal. Morreu mesmo, como qualquer mortal ou qualquer descrente.
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O que não deixa de doer na consciência dos fiéis e que eles não admitem para ninguém e ficam tentando espantar esse pensamento de si mesmos, é a relembrança dos momentos em que seus pregadores sempre culpam os próprios fiéis por não terem sido abençoados com uma graça. Se a cura não veio é porque o fiel não teve fé. Se a graça não foi alcançada é porque o irmão não deixou Deus chegar até ele. E por aí vão os pregadores no momento em que tudo está bem, até que sejam eles também atingidos pelo mesmo mal que contemplam.
Me lembrei então que o pregador, o padre Léo passou mal e foi diagnosticado com câncer pouco tempo depois. Imagino a cruzada de orações que deve ter sido de novo a sina dos fiéis, orando pela intercessão da Ave Maria em favor do seu pregador, que anunciando cura atrás de cura nos seus programas se via agora abatido com essa doença. E nenhuma resposta veio dos santos. Apenas o trabalho dos médicos teve algum resultado. Nenhum santuário foi procurado pelo padre, nenhum milagre aconteceu afinal. 
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A doença seguiu seu curso e no final ele ainda pôde rezar uma missa bem debilitado e depois disso a morte cobrou seu preço. De novo a decepção silenciosa dos fiéis, que não admitem uns para os outros, nem para si mesmos que seu pregador tão próximo de Deus, de Jesus, da Ave Maria e testemunha de tantas curas e milagres foi no momento mais decisivo abandonado pelos seus santos. É a triste verdade que emerge desses fatos.   
Muitas vezes penso nesses acontecimentos. A esse Deus tão poderoso que abriu o Mar Vermelho para seu povo eleito passar, um milagre como esse teria sido uma coisa tão simples. Para Jesus também. E para a Ave Maria, teria sido por um simples dela olhar sobre seu sacerdote desvalido que ele estaria curado.
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No entanto, todas essas divindades, toda essa constelação de santos, com todo esse poder de curas e milagres, não deram desse imenso poder uma gota que fosse para salvar um dos seus mais ardorosos pregadores.
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Em certos momentos a crença é mais dura do que a descrença.
Vellker
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2 comentários:

  1. Uma verdadeira exibição de sua falta de humildade e vaidade. Lembre-se de que o povo de DEUS não entrou na terra prometida por causa de 5 pecados. Murmuração e Pôr o Senhor a prova, são dois deles. Ele decide quando, quem e como curar.
    Jesus ensinou rezar assim "Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu". padre Léo aceitou a vontade de DEUS e não cometeu o pecado de pedir mais por ele mesmo. Padre Pio também. Humildade e respeito ao irmão de fé é o mínimo que você pode fazer em se dizendo Cristão.

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  2. Sua atitude reflete o quanto Cristo está em você.
    “Se os pulmões da oração e da Palavra de Deus não alimentam a respiração da nossa vida espiritual, sofremos o risco de nos sufocarmos em meio às mil coisas de todos os dias: a oração é a respiração da alma e da vida”, alertou o Santo Padre.
    Quando rezamos, “quando nos encontramos no silêncio de uma igreja ou de nosso quarto, estamos unidos no Senhor a tantos irmãos e irmãs na fé, como uma junção de instrumentos, que apesar da individualidade de cada um, elevam a Deus uma única grande sinfonia de intercessão, de agradecimento e de louvor”, disse o Papa.
    paz e bem fique com Deus

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