terça-feira, 1 de junho de 2010

D12 O príncipe valente

Vida de cachorro...
Tenho aqui comigo um bom amigo. Usualmente as pessoas referem-se aos seus cães como donos. Fico a pensar se os cães não se portam da mesma forma ao conversarem com seus amigos caninos sobre seus auto-supostos donos, em seu idioma de latidos.

Seja lá como for creio que ele me considera amigo também De toda forma nossa amizade foi crescendo ao longo desses anos. Há 7 anos atrás ganhei esse amigo. Era tão pequeno que nos primeiros dias dormiu numa caixa de sapatos acolchoada. Aos poucos foi preciso uma caixa de papelão, com uma portinha, onde ele se recolhia com ares de proprietário, não só da cixa mas como da casa também. Atravessei como todos os que se aventuram a ter um amigo assim, o martírio de noites ouvindo seus ganidos assim que apagava a luz, até que ele perdeu o medo do escuro.

Com ele já um pouco maior, percebi que a grande diversão dele era dar um pulo e abocanhar lençóis e roupas no varal, que tive que subir. Mas enquanto crescia, era mesmo divertido levá-lo para passear. Buliçoso e curioso, descobria o mundo com seu focinho imenso e suas orelhas sempre em pé. E ao mesmo tempo desenvolvia um desconcertante senso de coragem, todo próprio.

Eu já o vi correr de cachorros pequenos e ao mesmo tempo, alguns quarteirões à frente dar uma corrida em cachorros do mesmo tamanho. Aos poucos percebi que quando ele corria dos pequenos era como se dissesse que só estava de passagem pelo quarteirão e não queria encrenca. Haja visto que quando bem pequeno adotou como mãe uma gata velha que vivia no quintal.
E quando late no quintal da frente então? Uma fúria, mas assim que abro o portão para a visita ou carteiro, ao invés de avançar contra o coitado, passa a latir de uma razoável distância. E depois que a visita vai embora, dá mais uns latidos de advertência, sem dúvida para mostrar que vale a ração que come, enquanto dá voltas no quintal para mostrar a estranhos que alí está um príncipe valente. Depois entra e se deita no canto da sala, seu lugar preferido com cara de dever cumprido.
Mas o dia em que ri mesmo foi quando ele entrou num pasto com uma boiada e latiu corajoso para todos os bois. Os bichos deixaram de comer capim e vieram em peso para cima dele. Até hoje rio ao lembrar de quando vi o olhar desconcertado que ele me lançou, assustado com a manada que vinha para cima dele. Abri o arame farpado e ele dizendo obrigado com o olhar pôs-se a latir valente do lado de fora do pasto. Foi aí que não tive mais dúvidas. Ele era mesmo um príncipe valente, á sua moda, é claro. A boiada veio mansa, acostumada a seguir os latidos do cachorro da fazenda. Mas ele que viu aquilo pela primeira vez, correu o quanto pôde. Para disfarçar, andou pelo resto do caminho todo altivo, como se a boiada é que tivesse corrido dele.

Nessas noites de frio, ao deixar uma porção de ração para ele, abro a cortina de sua casinha e o vejo feliz e relaxado. Lá dentro, com a madeira e o estofamento aquecidos, está um ar quente que o protege do frio. Ele abana o rabo ao ganhar mais um pedacinho de salsicha e fica confortável, pronto para mais uma noite de sono. E de latidos se preciso for.

No outro dia, de tarde, quando o sol já aqueceu o cimento do quintal, ele sai, deita e aproveita esses momentos até começar a esfriar de novo. Mal alguém começa a conversar na rua, ele sai latindo como se fosse um leão, até ver que são apenas vizinhos, que ele já conhece.

Mas volta com cara de missão cumprida e tendo provado mais uma vez que vale a ração que come, ele se deita para aproveitar mais uma dormida sobre o cimento quente, enquanto o sol afasta todo frio.

Não é vida de cachorro, é vida de príncipe. Valente a seu modo, é claro.

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