Na última semana recebi um telefonema me avisando de que um primo meu havia morrido. Após uma longa enfermidade que lhe custou um sofrimento enorme, havia finalmente descansado. A família, que havia feito todo o possível por ele, tinha que confrontar essa perda e a dor.
-Já conhecendo essa dor que então eles sentiam pela primeira vez, fui até o velório. Uma das coisas que sempre fiz em velórios foi manter uma presença apagada, discreta. Afinal o que dizer para as pessoas que perderam um parente? A morte é tão absoluta, tão avassaladora que só nos restam frases quase balbuciantes para dizer, frente à dor e às lágrimas dos parentes.
Ao chegar encontrei sua esposa e seus filhos chorando em volta do caixão. Ao ver seu rosto dele agora em paz, tentei não me emocionar, mas logo vieram as lágrimas. Abracei todos e junto com eles chorei também. Ao mesmo tempo, em seu rosto vi que toda a dor que o marcara havia desaparecido. Exatamente como vi no rosto de minha mãe em seu enterro, o rosto contraído e carregado de dor dera lugar a um rosto plácido. A vida se fora, mas nenhuma dor mais existira no momento final. Esse é o rosto dos que morrem em paz, confortados pelo amor da família em volta.
-Sua esposa e seus filhos haviam dito a ele todas as palavras de amor, dado a ele todo amparo que uma pessoa assim precisa nos momentos da doença e nos momentos finais. Agora choravam a perda que tinham temido, mas eu sabia de uma coisa. Em seus corações, em seu íntimo existia ao mesmo tempo que a dor, a paz de quem havia cuidado e amparado o ser amado. O homem que fora esposo e pai havia tido todo o amor que precisara até o fim.
-Impossível não se emocionar com as lágrimas da esposa, com a dor do filho e com as palavras de despedida da filha cujas lágrimas molhavam seu rosto. Eu via ali uma família que velara por quem amara até o último momento. De forma surpreendente, quando vi, estava ajudando a confortar todos eles. As palavras, o amparo, a forma de dissipar aquela dor, tudo vinha de uma forma natural de dentro de mim. Quando entramos no cemitério, ví a estátua de um anjo, velho conhecido meu de tanto tempo. Ao vê-lo enquanto ajudava a carregar o caixão, pude compreender.
-Sou o último da minha família. Para meu pai, meu irmão e minha mãe pude dedicar essas palavras, esses momentos. Entendi porque então, ao mesmo tempo com lágrimas nos olhos, me portava daquela forma, confortando os que ali estavam pela primeira vez.
-Eu tinha antes dito as mesmas palavras, derramado as mesmas lágrimas, trazido os corpos para o descanso final, nada daquilo me era desconhecido. A mesma estátua que eu sempre vira ali, passando em sua frente indo para o túmulo, de novo estava ali sob aquele sol claro daquela manhã ao mesmo tempo tão triste e tão linda.
-Era triste porque era a perda de uma vida. Esposa e filhos tinham que suportar aquilo, aceitar o inevitável. E era linda porque eu via em suas lágrimas o amor que haviam dedicado a ele, a dor que sentiam. A homenagem final, as lágrimas, a tristeza profunda, desesperada, mas com a certeza de que haviam feito tudo o que era possível, até o último momento. E haviam dado todo o amor possível até o fim. Se a dor os atingia, eu sabia que sempre se lembrariam daquele momento emocionados e com lágrimas, mas nunca com algum fantasma em suas consciências, como o que persegue os que deixaram de dizer palavras de amor, como aqueles que deixaram sozinhos quem lhes estendeu a mão pedindo socorro.
-Eles se lembrariam daquela manhã com dor, mas tão iluminada quanto aquele anjo por tudo o que haviam feito de bom.
-No momento final coloquei sobre o caixão uma flor e ajudei a descê-lo. Abracei cada um deles e suas últimas lágrimas ainda caíam quando nos retiramos. Despedi-me de todos que se iam e enquanto os parentes deixavam o cemitério, peguei uma florzinha no pequeno jardim que ladeia os muros da entrada e voltei, passando na frente do anjo, para deixá-la no túmulo da minha família.
- O dia era claro, as lágrimas já tinham ido, deixei aquela florzinha ali, como uma lembrança e depois de meditar um pouco, me retirei. A manhã continuava linda, o sol de um brilho intenso. Sobre a dor e o amor o sol brilha assim.
-O que podemos fazer, pensei enquanto passava novamente na frente do anjo, é que por tudo o que façamos, ele venha a brilhar dentro de nós, mostrando apesar da dor, os sentimentos mais bonitos que tivemos um dia para quem esteve do nosso lado até o último momento, até a última lágrima.
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