
Acreditar num deus e rezar para ele faz parte do costume das coletividades humanas há milhares de anos, desde que o ser humano estruturou-se em sociedades. Para quem não tem essa crença, é um fenômeno interessante e que pode ser acompanhado com uma certa isenção. Usualmente, sempre que tomo um café, costumo escutar a rádio católica Canção Nova. Alguns momentos da pregação dos padres são francamente risíveis pelos absurdos proferidos em certos sermões. Em outros vê-se como a crença pode ser como uma faca de dois gumes. Se para o fiel é um caminho de consolação, pode ao mesmo tempo ser um caminho de desolação.

Ligou então uma mulher, que em poucas palavras explicou seu caso. Pedia para rezar junto com o padre para que a intercessão de uma divindade cristã a curasse das vertigens constantes que tem desde que sofreu um acidente há muitos anos. Com a voz embargada refez seu pedido e o padre disse a ela para repetir a oração junto com ele.
Aos poucos começou tudo a se embaralhar. Tentando acompanhar a reza do padre pelo rádio e pelo telefone ao mesmo tempo, a pobre mulher se perdia. Prestei atenção e lamentei o acontecido. Se ela tinha tanta fé a ponto de fazer a ligação, era perceptível a forma triste e inapelável com que o pretendido milagre já começava a dar errado só com isso. Mais que todos os ouvintes ela deve ter percebido isso.
Vendo o descompasso entre a reza dele e a da mulher, o padre pediu a ela para desligar o rádio. Ela pediu um instante e então, para completar a tristeza, a ligação caiu. Ficou o padre tentando comunicar-se com a devota, que em momento de extrema necessidade se via, por assim dizer, completamente abandonada pelas divindades que tanto venerava e a quem tinha vindo pedir a intercessão milagrosa. Se nem uma reza e nem uma ligação telefônica era possível fazer direito, o milagre de uma cura então, muito menos. Uma coisa de cortar o coração.
Fico pensando como deve ser a dor desses devotos e devotas quando as coisas saem errado. Em todo caso os padres e mesmo os devotos sempre tem uma explicação. Esse deus está sempre certo e mesmo que o que ele venha a fazer seja um horror, que seja mesmo a coisa mais dolorosa e a que o devoto considere a pior que poderia lhe acontecer, bem ao contrário de suas mais emocionadas orações, para isso os padres já tem a sentença dada: esse deus está certo e pronto. Ele sabe o que faz. Por pior que faça, é o melhor para quem foi na verdade uma vítima do seu ato e que é julgado, por mais horrível que seja, misericordioso. Na verdade dizem os padres, quem assim foi atingido, foi na verdade, agraciado. E recitam palavras da salvação e passam para a próxima ligação, como se nada tivesse acontecido.

Resta a ela, em sua situação, refazer o pequeno castelo de cartas da fé. Até que um novo sopro de dor venha derrubar tudo o que foi tão zelosamente reerguido. É mesmo de cortar o coração. Até de quem não acredita nessas coisas.
Estou incluida naquela fatia dos que vivem em dúvida, mas nem tão silenciosa, pelo menos internamente, com mil perguntas sem respostas. O que me aquieta mais é que procuro sentir este Deus imponderável, isto é, alimentando o meu lado bom e administrando as minhas sombras, como uma agnóstica convicta. Chego até a invejar as pessoas que têm fé inabalável, não questionam nada, aceitam qualquer kit de dogmas e até caem no conto do milagre, como esta mulher do seu relato, porque depois vai dar a si mesma uma explicação "divina" e se conformar com o "foi Deus quem quis, eu devo merecer". talvez, ao contrário do que vce pensa, não sofrerá tanto.
ResponderExcluirTambém gosto de entrar em igrejas, silenciosas e afeitas a uma meditação e apelos instintivos ao divino, a quem chamo "meu misterioso". Penso que o homem desde o início dos tempos, como não tinha explicação para tudo que acontecia à sua volta e para a morte, o fim de tudo, o desaparecimento total, ele atribuía a um deus a culpa de tudo, fosse para o seu bem ou para o seu mal. É mais fácil, não? E continua assim e continuará para sempre. Não consigo é entrar num templo evangélico e assistir todo aquele fanatismo e toda aquela gritaria. Prefiro vivenciar outras experiências religiosas mais
serenas como as de matriz oriental.
Vce. deve conhecer a Brahma Kumaris. Vou sempre às meditações realizadas na sede daqui de Salvador.