quinta-feira, 23 de setembro de 2010

R28 O mundo era tão perfeito

Como o mundo era bom naqueles tempos... O filme se chama "Adivinhe quem vem para jantar". Tendo reencontrado um dos grandes sucessos do cinema da década de 60, que assisti no século passado (bem, metade do planeta pode dizer isso) tratei de levá-lo para casa para rever um dos melhores filmes já feitos, que mistura um ótimo elenco, romance, comédia e reexame de relações raciais, que em 1967, ano em que foi feito, foi um filme justamente premiado pela mensagem de respeito e tolerância que levou para o público americano e para o mundo.

Mas esquecido da cena inicial, que havia visto aos 12 anos num pequeno cinema do interior paulista, é que me dei conta de como o mundo era perfeito. O filme começa com a aproximação de um avião a jato. Enquanto ele se aproxima soltando uma quantidade de fuligem proibida nos dias de hoje, a câmera passa para um plano alto e aí a trilha sonora, lindamente cantada, começa. Aí, de forma inevitável e cativante comecei a relembrar das coisas que vivíamos então, num mundo perfeito. O avião, um Boeing 707, com imensas 4 turbinas, grandes consumidoras de querosene e que na época despejavam toda a poluição possível, fora o rugido também proibido nos dias de hoje, é de uma época em que os combustíveis eram baratos, a poluição de hoje era só um assunto desconhecido, aquecimento global era uma coisa nem sonhada e por um instante todos nós nos sentíamos americanos dentro daquele avião, com todo o luxo possível, não brasileiros comendo pipoca dentro de um cinema.

A trilha sonora no estilo de Ray Conniff, claro era apreciada, se bem que essa trilha é um caso à parte, é linda mesmo de se ouvir abraçado com a mulher amada. Na época, ser elegante e fino e aparentar um certo conhecimento do estilo de vida nas grandes cidades era ter o último disco de Ray Conniff. Quem tinha aparelho de som, coisa rara na época, corria para a discoteca (naquele tempo, discoteca era para vender discos mesmo) A MPB era chata demais por isso só uns 3 ou 4 na cidade ouviam. No caso tínhamos a vitrola monofônica de 78, 45 e 33 rotações por minuto. Bom mesmo era o som estereofônico dos aparelhos High-Fidelity ou os chamados Hi-Fi, que aprendíamos a pronunciar para não dar furo na frente das meninas : rái-fái. De novo, tudo vinha da genialidade dos americanos. E lá íamos nós nos bailinhos de jovens inocentes de tudo, dançando de mãos dadas e corpos separados, sob o olhar vigilante dos pais e mães no que era chamado de "brincadeira dançante". Os carros que víamos no filme, claro, deixavam todos nós nos perguntando que tipo de tesouro a América tinha encontrado afinal? Estávamos acostumados a andar de Volkswagen, o usual da época. Naquele tempo, 4 entre 5 donos de carro tinham um. Ou então o velho Jeep, Rural Willys e coisas assim. Vez por outra, algum parente mais rico de algum conhecido vinha da capital no seu Impala importado, e ficávamos de olho naquela lataria reluzente. Nos filmes da época, quase todos os carros como táxis, viaturas de polícia, carros do vizinho ou do protagonista do filme, eram o lindo e imbatível Ford Galaxie. Por dentro e por fora, nos mostrava o que era ser americano. Luxuoso e bem acabado, uma lataria super reforçada, pára-choques de aço capazes de derrubar um muro e com o consumo em inacreditáveis 3 quilômetros por litro. De gasolina azul, é claro. Mas na época, comprar gasolina era como comprar água mineral hoje.
Terminado o filme, íamos para casa certos de que víviamos no mundo mais perfeito possível. Naquela época, o mundo era dividido somente em bloco capitalista e bloco comunista. Por sorte tínhamos nascido na parte capitalista, ou melhor dizendo, americana. A civilização estava em volta de todos, mesmo que incipiente.

Em casa, antes de dormir, íamos escovar os dentes. E todos nós, com um sabor de vida americana na boca, fazíamos isso usando a pasta dental Kolynos. Ou Colgate. Podia ter coisa mais americana do que essa? Não tínhamos carros de luxo e nem aviões, mas pelo menos a pasta de dentes estava lá. Ou que outra coisa poderia fazer com que nos sentíssemos a um passo de começar a falar inglês no próximo momento, como se de repente nos tornássemos parte da vida que tínhamos visto no filme?

Era um mundo perfeito mesmo.

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