segunda-feira, 13 de setembro de 2010

R27 A menininha, o sol e o aço

Visões numa tarde...
Há coisa de umas duas semanas atrás meu coração descompassou de tal forma que por alguns dias, acreditei, de forma resignada, que não iria muito longe nesta vida. Depois de ter cuidado da minha mãe em seus últimos meses, o coração foi tão exigido nas dores de tal situação, que não me admirava que viesse eu a terminar a vida em breve, estando daquele jeito. Avisei a mulher que amo que talvez não a visse mais. Já duvidava que teria chance para isso. Ela tratou de espantar esses pensamentos do meu coração.

Nem mesmo me animei a ir ver minha Floresta Branca. É assim que chamo um recanto especial para mim, onde a calma, o verde e o perfume das flores relaxam a mente e o corpo de uma forma deliciosa. Bem, ela não é minha. É de todos que se apaixonam pela sua beleza, pela sua magia, que aos poucos se descobre.

Mas aos poucos, dia após dia, meu coração foi voltando ao ritmo normal e logo estava podendo caminhar rápido e firme, respirar tranquilo e sentindo que o corpo voltava ao normal. Pensei, como todos pensam, quanto tempo mais teria. Afinal, quem não medita sobre isso. Assim, refeito, ontem fui até a floresta, rever sua beleza, sentir seu perfume, imaginar que meditações eu teria dessa vez. Tarde, sol começando a descer e lá fui eu, estrada abaixo. Enquanto caminhava, me sentia ao mesmo tempo disposto, mas me lembrava do tremor e da fraqueza de quando adoecera.

Após alguns instantes olhando a floresta, me lembrei das palavras do escritor Yukio Mishima em seu admirável livro "Sol e Aço" que traz em si a delicadeza de uma flor de lembranças e a força do aço de conclusões que ele deixou sobre a vida. Refletindo sobre quando começou seu treino com aço para fortalecer seu corpo então frágil, Yukio deixou estas palavras : "...A natureza deste aço é estranha. Descobri que enquanto eu aumentava seu peso, pouco a pouco, o efeito era como os braços de uma balança; o volume dos músculos colocados no outro prato da balança cresceu proporcionalmente, como se o aço tivesse a obrigação de manter um estrito equilíbrio entre os dois extremos...".

Me senti feliz com tudo aquilo, meditei sobre a fraqueza do meu corpo e decidi empreender o mesmo caminho. Ao mesmo tempo olhava para o sol poente, para o brilho que ele produzia na folhagem das árvores e me deliciava com tudo aquilo. Via a delicadeza das folhagens amparadas na força dos troncos. Estranhamente não sentia receio de que minha vida viesse a terminar alí mesmo. Sentia antes uma profunda gratidão a essa mesma vida por ter me proporcionado esses sentimentos e mesmo aquele momento único de reflexões que me enchiam a mente e o coração. Lembrei da mulher que amo com os olhos úmidos e pensei em como seria bom poder dizer-lhe tudo aquilo num simples abraço.

Olhei para o sol poente com seu brilho característico e comecei a voltar para casa, com uma emoção que me abrasava e me acalmava ao mesmo tempo. Sol e Aço. As palavras do título do livro me voltavam na mente a todo instante.
Foi então que vi, caminhando feliz, uma menininha, com sua silhueta do outro lado do caminho fazendo contraste com o verde da floresta ao longe e banhada pelo brilho do sol poente. Algumas pessoas também caminhavam aproveitando a tarde, mas prestei especial atenção na figura da menininha. Sua imagem era a presença viva do que podemos chamar de ternura e delicadeza. O sol se refletia entre seus cabelos soltos e ela caminhava brincando com as folhagens do caminho.

Olhei para a floresta novamente, me relembrei de todos os pensamentos que tinham vindo na minha mente. Olhei para o sol poente, já um disco de um amarelo suave no horizonte, olhei para a menininha e sua figura dourada, com os cabelos cintilando com a luz do sol, que ainda se refletia sobre ela. Aquele momento era de uma perfeição tão ímpar, que por um instante parei para admirar tudo. Lembrei-me das palavras do escritor e me veio na mente a cor do aço em fusão nas siderúrgicas, trazendo a lembrança de uma força da natureza, uma força extrema. Uma força que mantém as coisas em seu lugar, apoiadas em sua resistência, uma força que é passada aos poucos para nosso corpo, como tão bem o descrevera e tão bem o vivera em sua vida Yukio Mishima.
Ao mesmo tempo prestava atenção na figura da menininha, que era a expressão da ternura e da delicadeza. Me lembrei das folhagens com sua fragilidade também com o brilho do sol se refletindo em seu meio, enquanto estavam seguras pela força do tronco. A força do sol e do aço, as folhagens e os troncos, a delicadeza da figura e dos cabelos da menininha. Pareceu-me que também alí a vida me mostrava com tudo aquilo, que deve existir um equilíbrio entre força e ternura, entre a decisão e o caminho.

Voltei pensando que afinal viverei isso tudo, não sei por quanto tempo. Que me esforçarei com o aço e o equilíbrio que ele concede a um corpo ainda fragilizado e que precisa se fortalecer, mas sem querer saber seu limite. Melhor assim. O limite será sentido a cada momento. E a cada vez será maior. Ao mesmo tempo passou a existir mais forte a idéia de ternura que a figura da menininha passou. A ternura pelo amor da minha companheira, a ternura por esses momentos, a ternura por essas visões.
Fui voltando vendo o sol desaparecendo no horizonte e cheguei em casa recebendo seus últimos raios. Pouco depois ele se pôs. Alí na noite que começava, me preparei para viver dias assim, com a força do aço e ao mesmo tempo, tendo aprendido que devo saber carregar no coração a ternura por esses momentos.

Só a magia dessa floresta já é uma força e uma ternura ao mesmo tempo.

2 comentários:

  1. A maravilha que o contato com a natureza faz!Ver um homem que passou por provações, dores, porém caminhando com a vida debaixo do ouro de sol,do verde da floresta...se faz vivo e deixa o coração e a mente inspirar e exalar ternura e força interior...

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  2. Eu achei muito bonito tudo isso seja sempre criativo quem feis isso .lindo

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