domingo, 5 de fevereiro de 2012

D31 Eu não acredito e ele não gosta de mim

Apesar de não existir, ele não gosta de mim, ao menos por hoje...
Sou ateu. Mas parece que Deus, apesar de não existir, ao que tudo indica não gosta de mim. Ou pelo menos hoje não. Parece que assim que acordou, foi espreguiçar-se na janela do Céu e deu de cara comigo andando aqui embaixo na Terra e não ficou propriamente feliz comigo, sabe-se lá porque. Seja lá como for tive uma dura luta capinando o quintal com a enxada escapando toda hora do cabo. Já tostado pelo sol da manhã, que estava bem forte, tratei de ir ao mercado para comprar pão.
-
Mas não achei nem pão doce e nem de forma, pão tinha acabado e nesse horário sempre sobra. Até mesmo a televisão de cachorro, que é como chamo aquela máquina com um monte de frangos assados virando de um lado para outro já tinha sido recolhida. Comprei umas bananas para fazerem o papel de pão e fui voltando para casa que uma parte do capim e quatro tocos de árvores ainda estavam me esperando.
-
No caminho vejo um carro passando e decididamente o passageiro jogou pela janela uma maleta tipo executivo certinho numa dessas armações de arame para colocar lixo e o carro sumiu esquina abaixo. Ora essa, com tanto assalto de caixa eletrônico por aí, pensei que de repente podiam ser alguns meliantes que estivessem pondo uma maleta cheia de dinheiro fora para escaparem de alguma batida da polícia. Um golpe de sorte e além disso achado não é roubado. Fui conferir a maleta, até meio velha, mas só tinha um jornal velho dentro, não tinha mais nada, eram as dobradiças que estavam arrebentadas e provavelmente não valia a pena o conserto. Achar maleta com dinheiro? Essas coisas só acontecem no cinema.
Depois do almoço voltei a capinar o quintal. Sol de uns 37°C mas tudo bem, depois de algum tempo o corpo ignora o calor. A verdade é que não tive outra saída. Bem que tentei contemporizar com reflexões ecológicas, mas aquelas urtigas e carrapichos passaram a semana inteira me olhando com cara de quem não ia arredar pé dalí de jeito nenhum. Não me deixaram outra alternativa. Tirei minha enxada do coldre e fui para o duelo. Mas tenho que admitir. Os carrapichos e urtigas foram tipos durões. Não deram um passo para trás. Foram destemidos até o fim.
-
Quem sabe a fortuna me sorria aqui. Talvez exista algum tesouro oculto no quintal e que se revele agora. Cavo quase meio metro para tirar um cano velho. Ora, no velho seriado Dallas o patriarca da família ficava rico achando petróleo assim. Ou quem sabe talvez eu ache ouro. Achei. Não é bem ouro mas é uma moeda de 5 centavos de 1969. Pelo menos uma lembrança de bons tempos.
-
Achar petróleo ou ouro ou maleta de dinheiro só no cinema mesmo.
Continuo capinando e a enxada, já parecendo ter vontade própria continua se soltando. Parece ter lido os sonetos de Castro Alves contra a escravidão e decidiu dar a si mesma a sua própria carta de alforria, mas termino com as odiosas ervas daninhas. Um erro de Deus, sem dúvida. Quando o quintal está limpo, os passarinhos ao ciscarem por alí soltam com seus dejetos sementes de carrapichos, urtigas e todas as outras plantas que só infernizam a vida do ser humano. Já que Deus inventou isto não podia ter feito os passarinhos deixarem sementes de pés de laranja, pés de maçã, ramos floridos, ervas medicinais e coisas assim? Não, Deus achou que devia ser assim e assim até hoje é, que coisa.

Terminado o confronto com as ervas daninhas me preparo para a luta contra os quatro tocos de árvores, que corajosos nem sequer encenam sair do lugar em que estão. Esses tocos, com raízes nada desprezíveis pelo que eu já tinha visto dão um trabalho e tanto. Já tinha pedido umas dicas para o pessoal que cuida de jardins e as notícias foram todas desanimadoras. Não tem mágica, tem que cavar de lado, fundo e fazer mais força do que trator de prefeitura. Mais um erro de Deus. Certo, as árvores tem que ter raízes firmes para não saírem voando na primeira brisa, mas na hora da gente arrancar devia ser assim, a gente puxava e ela saia como se fosse um pé de alface, mas não, Deus tinha que fazer assim, não é ele que vai arrancar mesmo.
-
Parto decidido para a luta contra o primeiro toco. A cada golpe da picareta, ela se enterra no chão e se enrosca nas raízes. Aí faço uma força de que não me sabia capaz e as raízes vão cedendo. De vez em quando paro e vou tomar água. E toca a ir rodeando o toco com a picareta, o fosso em volta aumentando e aquele monte de raízes arrebentadas subindo. Nem acredito. Quando eu já estava para jogar a toalha e abandonar o ringue, o toco cede e sobe com tudo, olho para o buraco que ficou e limpo o suor da testa. Puxa vida, foi-se o primeiro.
-
Vou para cima do segundo toco e quando dou o primeiro golpe, cravo a picareta fundo e dou um empurrão com toda a força e escuto o estralo. Não consigo acreditar. O cabo da picareta, com toda a grossura que tem, se partiu. Não tenho como continuar. Fim da partida. Arrumo as coisas e deixo para amanhã.
-
Vou tomar um banho e assim que abro a torneira, surpresa, não tem água. Vai voltar, como acontece as vezes, quase de noite. E eu com terra até nos cabelos. Decididamente Deus hoje não estava muito contente comigo. Mas já que Deus existe, como dizem, já que ele uma vez jogou tanta água na Terra que afogou todo mundo, será que não dava para jogar um pouquinho de água pelo chuveiro só para um banhozinho? O que é isso homem, mude de humor comigo. Mas nada, só uma pequena gota cai. Mas o que é que eu fiz de errado? Que coisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário