
Lembro novamente do túnel de luz. Existem muitos depoimentos de pessoas que foram ressuscitadas em hospitais, que estiveram clinicamente mortas com parada cardíaca e todos contaram sobre o túnel de luz. Disseram que no momento em que perderam a visão das coisas e de onde estavam, sentiram um relaxamento e foram envolvidas por uma sensação de paz que nunca tinham tido e todas as dores e medos passaram. E aí começaram a ver o túnel de luz e se sentiram a um passo do Paraíso. Depois acordaram na maca da ambulância ou do pronto-socorro, mas essa experiência deixou essa lembrança que existe em todos os que passaram por isso. De novo, lembro da minha mãe morrendo e penso se ela sentiu essa paz. Fico de olhos úmidos e espero, desejo que sim. Continuo caminhando, o sol quente, o asfalto queimando e procuro me esquecer disso.
Procuro dentro da minha alma uma visão como a que essas pessoas viram, que seja mais próxima do Paraíso, mas não consigo. Mas o cansaço já está bom, o corpo melhora, se fortalece a cada caminhada, ao menos isso já me faz bem e o passo puxado me distrai, me faz esquecer essas dores. Dentro de mim procuro imaginar um caminho lindo, uma paisagem suave para poder ter paz, sentir menos dor, mas já me conformei. Vou viver assim, lembrando de tudo o que aconteceu, ainda sentindo essa dor ou talvez morrer por causa disso. Procuro de novo rever na mente esse caminho, tão bonito quanto esse em que estou de verdade agora. Uma só alma, dois caminhos. E uma lembrança que não cessa.


Chego num ponto em que agora olho a fábrica de longe, mas dessa vez do outro lado do caminho. Nem parece que fiz todo esse trajeto perdido em pensamentos assim. Mais alguns quilômetros e passo na frente do hospital onde minha mãe morreu, onde a vi pela última vez, onde lhe fiz carinhos, animei-a dizendo que logo voltaria. Regulamentos do hospital. Você tem hora para sair e para voltar. E foi por isso que não pude estar com ela quando ela morreu. A dor volta.
-Quando chego na praça, ainda podendo ver o hospital e de olhos úmidos, vejo uma das coisas mais lindas que poderiam existir no caminho. Uma menininha alegre com seu cachorrinho pequeno. Não pode haver imagem que me traga maior paz e tranquilidade do que essa. Ao passar perto dos dois, o cachorrinho avança para mim querendo brincar. A menininha sorri e diz que ele não morde. Eu sorrio também e sigo em frente. A dor passa.

Olho para a meninina brincando com o cachorrinho mais uma vez e desejo com todas as forças que no momento final, ao perder a consciência deste mundo, minha mãe tenha sentido uma paz, uma tranquilidade vinda do Paraíso, uma coisa que só sentiremos nesse momento.
-Desejo com todas as forças do coração que ela tenha visto uma menininha assim, alegre feliz, brincando com seu cachorrinho e que os dois tenham se aproximado dela, que a menininha tenha segurado sua mão e a tenha levado pelo caminho mais lindo que ela poderia ver.

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Pelo menos uma delas poderia esquecer disso, descansar dessa dor. Retomo o caminho.
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